
Política de obras públicas durante o Estado Novo
Foi possibilitada pelo reequilíbrio das contas do Estado, alcançado pela conjugação do aumento de receitas (reforma fiscal, tributação extraordinária, novas receitas) com a contração de despesas (limitação das «despesas sociais» e reforço da «disciplina orçamental»).
A criação, em 1932, do Ministério das Obras Públicas e Comunicações (MOPC), liderado pelo engenheiro Duarte Pacheco (1899-1943), assegurou a centralização de um processo vasto e com múltiplas frentes. E apesar de alguns projetos significativos terem sido pensados ainda durante a ditadura militar, foi com a execução da Lei de Reconstituição Económica de 1935 que a campanha de obras públicas assumiu a dimensão de instrumento da política económica do regime. Entre as décadas de 1950 e 1970, as obras públicas foram integradas em planos de fomento que visaram um crescimento económico planificado. A longevidade da «política de obras públicas» acompanhou, assim, a do próprio Estado Novo e serviu como uma das principais ferramentas para a sua afirmação, consolidação e relegitimação.
As esferas de atuação mais importantes foram a construção de edifícios públicos para diferentes sectores (ensino primário, técnico, secundário e universitário; justiça; exército e marinha; saúde e assistência; desporto e turismo; depósitos e créditos bancários, entre outros), a urbanização (obrigatoriedade e uniformização dos levantamentos topográficos; planos de urbanização de grande escala concretizados), os programas de habitação social (com destaque para o programa de casas económicas), o restauro de monumentos nacionais (com ênfase nos associados aos períodos considerados “áureos” na história nacional), as comunicações (correios, telégrafos e telefones; caminhos de ferro; estradas e pontes; aeródromos) e as obras de hidráulica (marítima, agrícola, abastecimento de água e saneamento, aproveitamentos hidráulicos e hidrelétricos). A planificação, implementação e monotorização destes programas coube ao grupo socioprofissional dos engenheiros, elite tecnocrática que compunha em larga escala o corpo de agentes responsáveis pela teorização e condução da modernização que, a par do tradicionalismo conservador, teve também expressão tanto na atuação como na composição dos quadros médios e superiores do regime.
A consciência do volume considerável de obras, da urgência de muitas e do saber técnico específico que implicavam conduziu à criação de uma panóplia de organismos, aos quais se atribuiu uma área de intervenção específica: juntas, delegações e comissões administrativas, dotadas de um corpo de técnicos próprio, autónomas ou sob alçada da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, mas em todo o caso na dependência do MOPC (Ministério das Obras Públicas/MOP a partir de 1946). Procedeu-se a uma divisão do trabalho ditada por critérios de racionalidade, eficácia e eficiência, de que são exemplo a determinação de planos de atividade, a listagem de prioridades de intervenção, a tendência para a tipificação do(s) programa(s) a adotar em cada tipologia arquitetónica e o estabelecimento de um percurso burocrático padrão para a avaliação e aprovação dos projetos de arquitetura, parcial ou totalmente financiados pelo Estado. Tal trajeto, composto pela intervenção de diferentes esferas de decisão, a diferentes escalas (incluindo a local), revelou-se capaz de condicionar e moldar as propostas arquitetónicas apresentadas, ainda que tenha coabitado com o atraso, a influência de fatores pessoais e a pulverização de responsabilidades. Deste modo, não restam dúvidas de que existiu não apenas uma arquitetura no, mas também do Estado Novo, aliás facilmente reconhecível nas várias geografias do país, pese embora a diversidade de linguagens estilísticas, mesmo que contraditórias, que o regime acolheu e instrumentalizou, quer para a construção (não estática) da sua imagem, quer como ferramenta de transformação de sociabilidades e mundividências.
Deste modo, não restam dúvidas de que existiu não apenas uma arquitetura no, mas também do Estado Novo, aliás facilmente reconhecível nas várias geografias do país, pese embora a diversidade de linguagens estilísticas, mesmo que contraditórias, que o regime acolheu e instrumentalizou, quer para a construção (não estática) da sua imagem, quer como ferramenta de transformação de sociabilidades e mundividências.
A aposta do regime recaiu, no dealbar da década de 1930, na recente geração de arquitetos, que se havia formado e/ou iniciado a sua vida profissional no decénio de 1920 e na qual se incluíam, entre outros, Porfírio Pardal Monteiro, Carlos Ramos, Jorge Segurado, José Ângelo Cottinelli Telmo e Luís Cristino da Silva. Esta opção contribuiu, por um lado, para substanciar a imagem de renovação que o Estado procurou projetar. Por outro lado, à semelhança do sucedido em outras disciplinas artísticas, promoveu-se, deste modo, o seu enquadramento estatal, abarcando-se diferentes sensibilidades estéticas e político-ideológicas.
O investimento do Estado Novo no campo das obras públicas representou, pela quantidade de equipamentos a projetar e pelo carácter sistematizado que deteve, uma oportunidade de trabalho sem precedentes para os arquitetos, grupo socioprofissional diminuto e de elite, sindicalizado de forma compulsória, à semelhança de outras associações de classe, em 1933.
A aposta do regime recaiu, no dealbar da década de 1930, na recente geração de arquitetos, que se havia formado e/ou iniciado a sua vida profissional no decénio de 1920 e na qual se incluíam, entre outros, Porfírio Pardal Monteiro, Carlos Ramos, Jorge Segurado, José Ângelo Cottinelli Telmo e Luís Cristino da Silva. Esta opção contribuiu, por um lado, para substanciar a imagem de renovação que o Estado procurou projetar. Por outro lado, à semelhança do sucedido em outras disciplinas artísticas, promoveu-se, deste modo, o seu enquadramento estatal, abarcando-se diferentes sensibilidades estéticas e político-ideológicas.
Também os artistas plásticos tiveram na campanha de obras públicas um espaço de atuação privilegiado, ainda que sujeitos ao papel mais secundário de «decoradores» e, à semelhança do registado em todo o campo cultural, ao condicionamento e enquadramento institucional.
A transformação material do país decorrente da «política de obras públicas» foi propagandeada como prova do «ressurgimento nacional», enfatizando-se, de forma maniqueísta, o contraste em relação, sobretudo, à Primeira República (1910-1926). O uso instrumental da fotografia neste âmbito plasmou-se em diversas publicações e exposições promovidas pelo regime. Também os artistas plásticos tiveram na campanha de obras públicas um espaço de atuação privilegiado, ainda que sujeitos ao papel mais secundário de «decoradores» e, à semelhança do registado em todo o campo cultural, ao condicionamento e enquadramento institucional. As artes plásticas contribuíram para contrabalançar a frequente sobriedade dos equipamentos e inculcar a ideologia do Estado Novo, representando temáticas sobretudo historicistas e nacionalistas, com recurso a uma estética naturalista simplificada ou mesmo modernista, mas contida, sem nunca abdicar da legibilidade do referente.
Texto de Joana Brites